terça-feira, 22 de março de 1983

Velejando

Caminhos da Vela


1983... Nada para fazer, nada para se distrair. Brasilia é uma cidade sem atrativos, não tinha muitas opções, pelo menos é o que eu sentia nessa época. Ou você ia a um Clube, ou churrasco na casa de amigos ou parentes, academia, só.

Para acabar com esse tédio, meu namorado resolveu comprar um barco para velejar. E eu.. nem sabia velejar. Mas pelo menos, seria uma distração. Teríamos o que fazer nessa cidade isolada do mundo.

Nosso primeiro barco – Marreco 16, um cabinado de 16 pés (4,87 metros de comprimento) com lugar para 5 a 6 pessoas velejarem. Ou acomodação para três tripulantes dormirem.

Imagine comprar um barco oceânico para iniciar a aprendizagem de velejar. A maioria das pessoas começa com um barco de pequeno porte, um laser, um dingue, uma prancha ou um hobby cat.

Mas eu adorei. Lindo! O barco estava no Clube da Aeronáutica e fiquei encantada. Branco com listas azuis. Imponente, destemido, nome PONGO. Dissemos ao proprietário que não sabiámos velejar. Ele disse que era fácil, seria delicioso e nos mostrou os apetrechos (cabos, moitões, velas) e sugeriu darmos uma velejada no dia seguinte.
Fiquei ansiosa e animada para aprender o manejar o Pongo. Esse nome já veio na documentação do barco e segundo o dono, não se muda o nome de um veleiro, dá azar.

Acordamos cedo e fomos ao Clube da Aeronáutica para dar nossa primeira velejada. Foi-nos ensinado a montar o barco, colocar os cabos nos lugares corretos, içar a vela grande e instruções de vento, contra-vento, popa, manobras, etc. Logicamente, não consegui assimilar tudo. Muitos nomes para decorar, moitão, catraca, burro, escota, vela grande, buja, pau de spinaker, adriças. Mas tinha certeza que iria dominar o barco.
Demos uma volta pelo Lago Paranoá na parte da Asa Norte. O vento estava calmo e bom para velejar. Amei!

A partir daí não parei mais. É uma sensação indescritível, sentir o vento no rosto, curtir o sol e a vontade de poder velejar para onde você quiser. Conhecer lugares, desbravar recantos... imagine... em Brasília, no Lago Paranoa. Acho que eu estava enlouquecendo, hehehe. Mas isso me proporcionou uma distração supimpa. Pelo menos teria o que fazer nos finais de semana.

Na semana seguinte convidamos o irmão, esposa e a filhinha de 5 anos do meu namorado para velejar. Crentes que já dominávamos o Pongo e teríamos uma tarde maravilhosa. Montamos o barco, içamos vela e partimos. O céu estava nublado com tendências para chuva, mas o importante era velejar e mostrar nosso barco novo. A compra do cabinado foi um start para que os dois irmãos e o pai do meu namorado comprassem barcos também.
Velejamos pelo Lago Norte, acompanhando os clubes e as casas residenciais. Fomos para a parte mais norte do Lago Paranoá e o vento estava bom. Conseguimos dominar as velas e colocá-las em posição favorável para uma boa velejada.
Até que, o tempo começou a ficar denso e o vento começou a aumentar. Aumentar. O vento forte adernou o barco e ficamos um pouco apreensivos. Olhando para o céu pude notar as nuvens carregadas em tons cinza. Estava anunciando uma chuva. Chuva é pouco, estava armando uma tempestade. Em pouco tempo, as nuvens se juntaram formando uma densa camada em grande parte do céu. O tom cinza claro passou para o cinza escuro. O vento aumentou e o barco respondia adernando bastante. A criança começou a se assustar e a querer chorar. Estava armada a confusão.
Uma linda tarde de passeio se transformou num pesadelo para quem não tinha total domínio de uma embarcação.
Vamos voltar. Pegamos a direção para o Clube da Aeronáutica, e o esforço foi em vão. Para evitar que o barco adernasse, foi sugerido que abaixassemos a vela grande. Não adiantou de nada. O Pongo continuava a adernar assustando a todos os navegantes de primeira viagem, ou segunda viagem.
O barco estava se dirigindo para o Iate Clube de Brasília (ICB) em vez de ir para o Clube da Aeronáutica. Lógico, sem velas, sem rumo.
A tempestade aumentou, e com ela veio à chuva impiedosa. Muito vento e tive que correr até a proa do barco para segurar a vela, que estava teimando em cair pelas bochechas da embarcação. Bochecha, sim. São as laterais do barco, bochecha de bombordo e de estibordo. Ah, esses termos náuticos!
Com as velas arriadas, grande e buja, fomos parar próximo ao Iate Clube.
O Pongo começou a bater na murada do ancoradouro. O vento muito forte empurrava o barco de encontro à murada e as ondas jogavam o barco de volta. O vento empurrava novamente e batia com força. Ficamos apreensivos, pois o barco era novo e tinhamos que segurar na borda da murada para que o impacto não fosse tão grande.
Fizemos algumas tentativas em vão. Estávamos molhados pela chuva, com frio, com medo, criança chorando.
Na quarta vez que fui segurar a murada para o barco não bater tão forte, cai. Isso mesmo, eu cai entre a murada e o barco. Morte certa.
O barco iria me esmagar contra a murada. Uma embarcação pesando 1.200 quilos, me estraçalhando.
Meu pensamento foi mais rápido que o vento traiçoeiro. Vi que, por baixo da murada havia uma passagem e mergulhei. Deus guiou minhas braçadas e quando vi, eu estava do outro lado do ancoradouro. O namorado pensou: Uma já foi, agora preciso salvar o resto! Ele não me viu.
Subi pela murada, e não sei como tive forças. Estava mancando. Doía-me a perna direita. Do outro lado do ancoradouro tinha um iatista (sócio do clube) que estava gritando. Não entendia, nem ouvia nada. O barulho da chuva e trovoadas estava atrapalhando.
Comecei a correr em direção a ele para pedir ajuda. Finalmente, meu namorado me viu.
Está viva, pensou! Ele empurrou o leme com força para tentar entrar no Iate. O iatista gritou (finalmente ouvimos!) para que lemassemos até a subida da rampa. Lemar significa empurrar e puxar o leme, repetidas vezes, como se estive remando.
A chuva e o vento castigavam nosso passeio.
Finalmente conseguimos pegar o cabo e amarrar o barco junto a outra embarcação

Alívio. Decepção. Medo. Angústia. E um gostinho de aventura, hehehe.
O passeio nos deu conhecimento, aprendizagem, coragem para velejar no dia seguinte. E um grande hematoma na perna. Fiquei com um roxo na coxa inteira, por uns três a quatro meses.
No entanto, adoro velejar. Minha distração.